Fanado de traidores: Moamba, Matsolo e Mavota na derrota de Zixaxa em Marracuene

No amanhecer de 2 de fevereiro de 1895, as margens do rio Incomáti, em Marracuene, testemunharam um dos episódios mais marcantes da resistência anticolonial moçambicana: a Batalha de Marracuene, conhecida localmente como Gwaza Muthine — expressão ronga que evoca a trágica ideia de “morrer em casa”. Este confronto, travado entre as forças rongas, lideradas pelo jovem príncipe nuã-Matidjuana caZixaxa iMpfumo (conhecido na historiografia portuguesa como Zixaxa), e as tropas coloniais portuguesas, sob o comando do major Alfredo Augusto Caldas Xavier, marcou um ponto de inflexão na consolidação do domínio português no sul de Moçambique. Contudo, a derrota ronga não se deveu apenas à superioridade bélica portuguesa, mas também à traição de chefes locais – Moamba, Matsolo e Mavota – cuja colaboração com os colonizadores comprometeu irremediavelmente a resistência indígena, selando a tragédia de Gwaza Muthine.

O contexto Histórico e a resistência Ronga

A Batalha de Marracuene insere-se no contexto da expansão colonial portuguesa no final do século XIX, quando o Império de Gaza, sob a liderança de Ngungunyana, representava a principal força de resistência no sul de Moçambique. As forças rongas, com cerca de 4.000 guerreiros, lideradas por figuras como Nwamatibyana, Zihlahla, Mahazule e Mulungu, opunham-se à penetração portuguesa, que buscava consolidar o controle sobre a região de Lourenço Marques (atual Maputo). A resistência ronga era marcada por uma combinação de táticas guerrilheiras e confrontos diretos, mas enfrentava desafios internos, como divisões entre chefaturas e a pressão da superioridade tecnológica dos portugueses, equipados com armas de fogo modernas e artilharia.

A historiografia moçambicana pós-independência, a partir de 1974, elevou Gwaza Muthine a um símbolo de heroicidade, celebrando o sacrifício dos guerreiros rongas que tombaram defendendo sua terra. Contudo, uma análise crítica revela que a derrota não foi apenas produto de fatores militares, mas também de fissuras políticas exploradas pelos portugueses. Nesse cenário, as ações de Moamba, Matsolo e Mavota emergem como elementos centrais na narrativa da traição, que comprometeu a unidade da resistência e facilitou a vitória colonial.

A traição de Moamba, Matsolo e Mavota

Moamba, Matsolo e Mavota, líderes de regiões estratégicas no sul de Moçambique, desempenharam papéis cruciais na derrota ronga ao alinharem-se com os interesses portugueses. Moamba, cujo nome designa tanto um chefe quanto uma região a noroeste de Marracuene, já havia se aliado aos portugueses antes do confronto, permitindo que suas terras fossem usadas como posto avançado para as forças coloniais. Matsolo, ancestral do povo que deu origem à moderna cidade de Matola, e Mavota, líder de outra área estratégica, seguiram caminho semelhante, cedendo suas regiões como bases logísticas e, em alguns casos, guiando as tropas portuguesas até o campo de batalha. Essas açõe minaram a coesão da resistência ronga, explorando divisões preexistentes entre as chefaturas locais.

A historiografia recente sublinha que a traição desses chefes foi um fator decisivo na fase final da batalha. Ao permitirem que os portugueses utilizassem suas regiões como pontos de apoio, Moamba, Matsolo e Mavota comprometeram a capacidade dos rongas de manter uma frente unificada. Mais grave fontes apontam que os Mavota, em particular, guiaram as forças portuguesas diretamente ao local do combate, revelando rotas e posições que poderiam ter sido usadas para emboscadas ou defesas estratégicas. Tal colaboração não pode ser vista como mera passividade, mas como uma escolha deliberada de alinhamento com o colonizador, em detrimento da soberania de seus pares.

Fundamentos historiográficos e a construção da narrativa da traição

A acusação de traição contra Moamba, Matsolo e Mavota deve ser contextualizada dentro dos debates historiográficos sobre a resistência colonial em Moçambique. Durante o período colonial, a narrativa oficial portuguesa glorificava os feitos dos colonizadores, marginalizando as contribuições dos chefes locais que colaboraram com eles. Após a independência, a historiografia moçambicana buscou resgatar a heroicidade dos resistentes, mas frequentemente evitou um exame crítico das divisões internas que enfraqueceram a luta anticolonial. A ênfase na traição de Moamba, Matsolo e Mavota surge, portanto, como uma tentativa de explicar a derrota sem desmerecer o heroísmo dos rongas, mas também levanta questões sobre os motivos de sua colaboração.

É plausível que esses chefes tenham agido movidos por interesses pragmáticos, como a preservação de seu poder local ou a obtenção de benefícios econômicos e políticos oferecidos pelos portugueses. A historiografia sugere que divisões entre chefaturas foram habilmente exploradas pelos colonizadores, que utilizavam promessas de proteção ou recompensas para cooptar líderes locais. Contudo, tais escolhas não isentam Moamba, Matsolo e Mavota da responsabilidade por suas ações. Ao priorizarem interesses individuais ou regionais, eles contribuíram diretamente para a desarticulação da resistência, permitindo que os portugueses avançassem rumo ao coração do Império de Gaza, culminando na captura de Ngungunyana em dezembro de 1895.

O legado da traição e a memória de Gwaza Muthine

A traição de Moamba, Matsolo e Mavota não apenas facilitou a vitória portuguesa em Marracuene, mas também deixou cicatrizes na memória coletiva moçambicana. Enquanto a batalha é celebrada como um marco de resistência, a colaboração desses chefes permanece uma nota dissonante, raramente abordada com a profundidade que merece. A historiografia contemporânea, ao revisitar Gwaza Muthine, deve confrontar essas contradições, reconhecendo que a luta anticolonial foi tão marcada por atos de bravura quanto por decisões que traíram a causa comum.

A acusação contra Moamba, Matsolo e Mavota é uma exigência de rigor histórico. Suas ações, ao abrirem as portas para a vitória portuguesa, prolongaram a subjulgação colonial no sul de Moçambique, adiando o sonho de autodeterminação. Que a memória de Gwaza Muthine sirva não apenas para honrar os que tombaram, mas também para lembrar o custo da desunião e da traição, cujas consequências reverberam até os dias atuais.

Published by Egidio Vaz

Communication Strategist & Media Scholar

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