MOÇAMBIQUE DESPEDE-SE DE LOPES TEMBE NDELANA, HERÓI DA LUTA DE LIBERTAÇÃO

Num ambiente de profunda consternação e respeito, Moçambique prestou hoje a última homenagem ao Camarada Lopes Tembe Ndelana, membro fundador da FRELIMO e veterano da Luta de Libertação Nacional. As cerimónias fúnebres, que decorreram na Sede Nacional da FRELIMO em Maputo, reuniram as mais altas figuras do Partido e do Estado, familiares, antigos companheiros de armas e membros do corpo diplomático, num tributo solene a um dos “melhores filhos” da nação. O corpo do malogrado, falecido a 4 de Junho de 2025 aos 88 anos, vítima de doença, foi a enterrar no Cemitério de Lhanguene.

A cerimónia, marcada pela sobriedade, teve o seu início às primeiras horas da manhã com a chegada da urna, seguida da presença do Chefe de Estado, o Camarada Daniel Francisco Chapo, Presidente da FRELIMO e da República de Moçambique. O velório, que se iniciou às 09h00, foi um momento de evocação da vida e obra de um homem cuja trajectória se confunde com a história do país. Estiveram igualmente presentes os antigos Presidentes da República, os Camaradas Joaquim Chissano, Armando Guebuza e Filipe Nyusi, prestando reverência a um seu par da geração fundadora.

O ponto alto das exéquias foi o elogio fúnebre proferido pelo Camarada Presidente Daniel Chapo. Nas suas palavras, o Chefe de Estado descreveu o Camarada Lopes Tembe como “uma das mais importantes bibliotecas, um dos verdadeiros repositórios da nossa história”. Recordou o seu compromisso inabalável com a causa da liberdade, destacando-o como um “nacionalista de convicções inabaláveis” e um dirigente que encarnou os princípios fundacionais da FRELIMO de “ser o primeiro no sacrifício e último nos benefícios”. A dor da perda, sublinhou o Presidente, é agigantada pelo facto de ocorrer num momento em que o país celebra os 50 anos da sua Independência Nacional, uma conquista pela qual o Camarada Lopes Tembe dedicou toda a sua vida.

Antes do elogio, a cerimónia foi preenchida por mensagens de diversas entidades, intercaladas por cânticos. Falaram representantes dos colegas do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, que o recordaram como um “funcionário exemplar” e um “professor por excelência”. A Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLN) relembrou o “guerrilheiro expressivo” que nunca se deixou abalar pela propaganda colonialista.

As mensagens mais emotivas vieram da família. Os netos descreveram-no como “um verdadeiro herói”, e os filhos, numa sentida homenagem, partilharam a imagem de um pai que lhes ensinou o pan-africanismo, a coragem e o respeito, um homem que “enfrentaria cem leões com as mãos abertas para aqueles que ele amava”. As famílias Langa e Ndelana agradeceram a sua vida de disciplina, humildade e compromisso com a pátria. Estas múltiplas vozes pintaram o retrato de uma figura complexa: o combatente destemido, o diplomata íntegro, o funcionário dedicado e o pilar de uma família.

A cerimónia não foi apenas um adeus, mas uma profunda reflexão sobre o percurso de um homem cuja biografia é, em si mesma, uma crónica da nação moçambicana.

UM PERCURSO DE LUTA: DA CLANDESTINIDADE À DIPLOMACIA

Como HISTORIADOR que perscruta o passado para iluminar o presente, analisar a vida de Lopes Tembe Ndelana é mergulhar nas raízes da Moçambicanidade moderna. Nascido a 20 de Março de 1937, na então Lourenço Marques, a sua juventude foi moldada pelas injustiças do regime colonial fascista, que o levaram a erguer-se contra a humilhação e a discriminação racial.

A sua militância política começou de forma decisiva quando, nos finais da década de 1950, a perseguição da PIDE o forçou a exilar-se na antiga Rodésia, actual Zimbabwe. Foi aí, em contacto com a efervescência dos movimentos nacionalistas da região, que a sua consciência se cristalizou. Em Salisbúria (hoje Harare), a 18 de Outubro de 1960, foi um dos fundadores da UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique), assumindo o cargo de confiança de Assistente do Secretário-Geral.

O seu papel foi preponderante nas negociações que uniram os três principais movimentos nacionalistas – UDENAMO, UNAMI e MANU. Este esforço culminou na histórica fundação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), a 25 de Junho de 1962, sob a liderança do Doutor Eduardo Mondlane. Com a criação da FRELIMO, Lopes Tembe engajou-se de corpo e alma na luta, tendo integrado o primeiro grupo que recebeu treinos militares no Egipto em 1963 e actuado em frentes clandestinas, militares e diplomáticas. Durante a luta armada, assumiu responsabilidades como Chefe da Área de Agricultura e Comércio na Província de Tete.

Com a Independência Nacional em 1975, o Camarada Lopes Tembe tornou-se um dos principais construtores do novo Estado. A sua carreira é um testemunho da sua polivalência e do seu profundo sentido de Estado. Foi o primeiro Chefe do Protocolo de Estado (1975-1978), estabelecendo as bases da diplomacia do Moçambique independente. Actuou como Director Nacional Adjunto da Comissão Nacional das Aldeias Comunais (1978-1983) e foi Deputado da Assembleia Popular entre 1977 e 1994, contribuindo para a consolidação do Estado de Direito.

A sua veia diplomática levou-o a ser nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário em postos estratégicos, representando Moçambique na China , Coreia do Norte , Japão , Paquistão , Zimbabwe , Botswana e na então Suazilândia. A sua capacidade de “fazer amizade com outros Estados e Povos” foi um activo inestimável para a jovem nação.

Homem de pensamento e memória apurada, deixou um legado escrito na sua obra Da UDENAMO à FRELIMO e à Diplomacia Moçambicana, um documento de consulta obrigatória para a compreensão do percurso histórico e diplomático do país. Como sublinhou o Camarada Joaquim Chissano no prefácio do livro, a sua vida foi um testemunho de uma “jornada compartilhada de luta, amizade e camaradagem”.

Com o seu desaparecimento físico, parte um dos últimos da geração que ousou sonhar e lutar por um Moçambique livre e soberano. A sua morte deixa um vazio, mas também um roteiro. Como ecoou na Sede da FRELIMO, e como o próprio Camarada Lopes Tembe certamente concordaria, a melhor homenagem à sua memória é o compromisso renovado com os ideais pelos quais lutou. Nas palavras do Camarada Presidente Samora Machel, citadas no elogio fúnebre, e que continuam a ressoar na consciência colectiva da nação: “A Luta Continua”.

Published by Egidio Vaz

Communication Strategist & Media Scholar

3 thoughts on “MOÇAMBIQUE DESPEDE-SE DE LOPES TEMBE NDELANA, HERÓI DA LUTA DE LIBERTAÇÃO

  1. Conhecei o sr Lopes Tembe aqui no Niassa quando era Administrador na Fundacao Malonda. Uma pessoa sempre disposta a ajudar e muito simples.

  2. bom dia.Obrigado pelo envio.Gostariamos de perguntar se podemos fazer a publicacao no nosso jornal FAISCA.AtenciosamenteSuiane Rafael875237958

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