Da dignidade, da juventude e do futuro dos Camarões

Num continente cuja esperança maior repousa na juventude, é difícil não sentir perplexidade ao ver Paul Biya, com 92 anos, anunciar mais uma candidatura à presidência da República dos Camarões. Este é um retrato nítido do bloqueio sucessório que vem minando a vitalidade política de várias nações africanas, enquanto as instituições continentais observam em silêncio.

Os factos são simples e não se prestam a interpretações flexíveis. Os Camarões têm uma população de aproximadamente 29 milhões de habitantes, dos quais mais de 60% têm menos de 25 anos. O país é jovem, vibrante, desafiante. Ainda assim, será mais uma vez liderado por um homem nascido antes da independência, cuja geração praticamente já desapareceu do espaço público.

O contraste é chocante. Apenas cerca de 32 mil pessoas têm 90 anos ou mais em todo o território camaronês – o equivalente a 0,11% da população total. E mesmo entre os 8,2 milhões de eleitores recenseados, não mais de 30 mil pertencem a essa faixa etária avançada. A esmagadora maioria destes potenciais eleitores não comparece às urnas, por motivos de saúde, mobilidade reduzida ou ausência de mecanismos de voto assistido. Estima-se que menos de 15% deles votem efectivamente.

Assim, quem representa Paul Biya nesta eleição? Certamente não os seus pares de idade, pois praticamente já não estão presentes na arena política. Nem tampouco representa o grosso do eleitorado jovem, que cresceu a ouvir o mesmo nome, década após década, sem nunca ter experimentado o sabor real da alternância.

Este não é um ataque ao partido de Paul Biya, o Reagrupamento Democrático do Povo Camaronês (RDPC). Pelo contrário: trata-se de um apelo à sua maturidade institucional. O RDPC tem uma longa história, um aparelho político funcional e quadros preparados. A continuidade do partido não depende de manter eternamente um homem exausto à frente. Depende, sim, da sua capacidade de organizar uma transição lúcida, responsável e legítima, com base no mérito e na renovação.

É aqui que a União Africana deve posicionar-se. Não com ingerência, mas com coerência. Não se exige à UA que interfira nas eleições dos seus Estados-membros. Exige-se, isso sim, que honre os princípios que defende: limitação de mandatos, boa governação, respeito pela dignidade humana e valorização da juventude africana.

Ao manter-se calada perante a candidatura de um homem de 92 anos, num país onde mais de metade dos cidadãos nem sequer tinha nascido na sua primeira eleição, a UA renega os seus compromissos mais básicos. O silêncio, neste caso, não é prudência. É abdicação.

Permitir que Paul Biya se mantenha como candidato é condená-lo a governar, quando já deveria descansar. É pedir que tome decisões cruciais sobre o futuro de milhões de jovens, quando já poucos da sua geração o acompanham. E é, sobretudo, reforçar a ideia perigosa de que o poder em África não é uma missão com início, meio e fim, mas um lugar vitalício.

É altura de dizer, com respeito e firmeza: o tempo de Paul Biya terminou. E não há desonra nenhuma nisso. Pelo contrário: os grandes líderes também se medem pela forma como sabem sair de cena. O maior legado que Biya pode deixar aos Camarões não é mais um mandato. É o gesto histórico de abrir espaço para a renovação responsável e patriótica.

À União Africana, dirige-se este apelo: falem. Façam alguma coisa. Mas não fiquem calados.

Os jovens africanos observam. Esperam. E não esquecerão os que se omitiram quando mais importava actuar.

Published by Egidio Vaz

Communication Strategist & Media Scholar

One thought on “Da dignidade, da juventude e do futuro dos Camarões

  1. Bom dia ilustre como vai, gostaria de conversar consigo, pessoalmente, peço para me facultar seu contato, 846668828 828525166. Melhores cumprimentos e bom fim de semana.,

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